Em uma das mais curiosas passagens bíblicas, São Paulo chama os acontecimentos do Antigo Testamento; a maneira como Deus transmitia sua mensagem para os homens; como ele os preparava para a vinda de Cristo; de “o tempo de sua paciência” (Rm 3,25). O que parece a expressão e a descrição simples de um Deus paciente com filhos rebeldes é muito mais complexo que isso. É mais um dos grandes elementos teológicos multifacetados lindamente escritos nas cartas de São Paulo.
A carta aos romanos tem muitos elementos importantes para o entendimento bíblico e para a interpretação teológica. Ela contém alguns dos pontos mais importantes na diferença entre as teologias católica e protestante, e é fundamental para se entender a relação dos cristãos com os judeus, além do que se entende como necessário para a salvação.
O principal elemento, obviamente, é a salvação. A salvação, São Paulo confirma, é Cristo Jesus. O amor de Deus, através do sacrifício provisional do Cordeiro, é o caminho para a salvação do homem. Paulo confirma que não é o cumprimento da Lei Mosaica que salva o homem. Muito embora toda palavra de Deus seja fundamental, a verdadeira salvação não está em nossa capacidade de cumprir a Lei. Não somos bons o bastante. Precisamos aceitar o amor de Cristo. A Lei e a caridade são de enorme importância, e são o fôlego para se trilhar o caminho até Cristo, jamais podendo ser desprezados. Mas, ao final, o elemento chave é o próprio Cristo. Sem Ele, a caridade (caritas, amor) é vã porque é ou quase inexistente, ou voltada para se alcançar algo pessoal. Mas sem caridade não se demonstra o amor de Cristo em efeito na vida. A vida depende da caridade para ser realmente cristã, e são atos de misericórdia e amor que demonstram a real aceitação de Deus, não apenas palavras. Esse entendimento mínimo, e não um literalismo que cega a pessoa à caridade, quando se acredita que sem a caridade se é capaz de se atestar a real aceitação de Cristo, é a diferença fundamental na teologia da salvação entre católicos e protestantes. Alguns protestantes chegam ao ponto de acreditar em “uma vez salvo, sempre salvo”, como se você, tendo aceitado verbalmente Jesus como seu salvador, está salvo e pode, então, levar uma vida de crimes e ofensas a Deus que isso não demonstraria que você, de fato, não aceitou Jesus coisíssima nenhuma. A verdade é que a sua vida tem que ser o exemplo claro da sua aceitação de Cristo como seu salvador. Nosso testemunho, antes de tudo, é a nossa vida. E as ações, especialmente nesse caso, falam mais alto que as palavras.
O segundo elemento é o fato histórico de que os judeus esperavam um messias libertador, alguém que cumpriria de outra forma o pacto feito por Deus com Seu povo. Infelizmente, nossos irmãos mais velhos (como bem disse São João Paulo II), não compartilham conosco o significado da antiga aliança (o Antigo Testamento). São Paulo é claro em dizer que não é pela Lei (Mosaica) que se salva. Paulo havia acabado de citar Judeus e Gregos sendo salvos (Rm 2,10). Gregos, nesse caso, são exemplo de pagãos possivelmente convertidos. Ou seja, é a demonstração do que ele diz de forma objetiva nos versículos 29 e 30 do capítulo 3. O versículo 31 é muito interessante. É o conceito teológico de que a antiga aliança não foi quebrada. Ao contrário. Ela foi confirmada em Jesus Cristo. O Antigo Testamento continha o Novo, e se revela e culmina em Cristo. A Lei é o elemento de ligação de tudo isso.
O terceiro elemento é exatamente o conceito de paciência ali contido. Não é à toa que Paulo usa essa palavra, como nada é à toa nas escrituras. Mas há muitos sentidos contidos nessa frase do versículo 25. Um deles é o sentido pedagógico da teologia. O filósofo Peter Kreeft bem exemplifica isso quando diz que crianças aprendem primeiro a justiça, depois a misericórdia, demonstrando em uma simples brincadeira de “polícia e ladrão”. A criança aprende a diferenciar o bem do mal, algo inerente ao homem exatamente por sua filiação divina, entendendo assim que o mal precisa ser punido. Mais tarde a criança entende o que também é inerente a todos os homens, a misericórdia. Aí então a criança pode começar a unir os dois conceitos e está melhor equipado para a vida. A Bíblia, ao contrário de alguns outros livros religiosos, é uma narrativa histórica. Ela deve ser entendida como foi formada, com a passagem de alguns milênios do começo ao fim da narrativa. O homem (note que não é apenas o judeu, ou o grego, mas o homem) da época de Abraão e Moisés é como a criança que primeiro tem que entender a justiça para depois entender a misericórdia. A misericórdia é demonstrada definitivamente em Jesus Cristo. Embora ela não fosse estranha como assim não é para uma criança, apenas em Cristo ela é exemplificada e passa a ter primazia no entendimento teológico do homem em sua relação com o Deus de Abraão, Davi e Moisés.
É mais do que óbvio que é preciso muita paciência na criação de uma criança. É preciso paciência com seus erros, com sua teimosia, ou mesmo com seus acertos e alegrias, que por vezes precisam também ser contidos para outros tipos de aprendizados. Paciência também se faz necessária pelo simples passar do tempo. Em alguns casos, as pessoas gostariam que as crianças entendessem logo certos conceitos ou práticas. Mas é a misericórdia contida na paciência que nos faz pensar que também é possível, e bonito, observar o avanço lento e gradual da criança; que é bonito vê-la ser criança e não querer apressá-la; que com a palavra certa e o exemplo correto, aquela criança dá passos firmes em direção à vida adulta. Uma vida cultivada de forma a ser vivida com correção e vontade de passar o mesmo que foi aprendido, algumas vezes a duras penas.
Essa é a beleza da misericórdia, da paciência. É mais um motivos para darmos Graças a Deus por tamanha paciência conosco. Paciência com quem já havia caído. Misericórdia em paciência com quem já havia escolhido o erro e a separação. Deus passou milênios ensinando o homem, ainda em sua infância espiritual e moral, a amá-Lo como Ele o ama. Teve a paciência de nos perdoar ‘setenta vezes sete’ vezes (Mt 18, 22) até nos fazer entender isso em sua plenitude, através de Seu Filho, Jesus Cristo.
A Lei é a justiça, Jesus é a misericórdia! Nossa educação está completa. Basta apreciá-la com a prática. Nada é tão importante quanto entender o incrível caso da paciência divina, o tempo e esforço que Deus fez para ter paciência conosco. Entender as palavras de São Paulo e dar Graças ao Senhor. Sua paciência comigo continua. Com você e com todos também. Mas eu só posso falar por mim. O que eu tenho que fazer é agradecer pela paciência e viver na misericórdia de Deus. Quem sabe, viver para reflití-la no próximo, assim confirmando que eu aceito Cristo como meu salvador.
Em Cristo, sob a proteção da Virgem Maria,
um Papista.