Se G.K. Chesterton participasse do Sínodo das Famílias, seria simples para ele descrever o pensamento a ser seguido pelos participantes. Como Chesterton não está entre nós, o melhor que podemos fazer é, baseado em seus maravilhosos escritos, imaginar como seria a sua participação. Sem ousar pensar que eu sou capaz de reproduzir sua genialidade, me dê licença se eu presumo ser possível, ao menos, refletir quais seriam as suas intenções. Volto a isso no final do artigo.
O Sínodo da Família é o evento mais importante da Igreja nos últimos anos. Embora não seja apenas sobre um tema, é inegável que a questão da comunhão para os civilmente divorciados e que vivem em nova união é, de fato, a questão mais importante e a que mais interessa a todos. É fácil dizer que o sínodo não é apenas isso, e que reduzir o sínodo a essa questão é uma simplificação. Em teoria, é verdade. Na prática, não é possível negar a centralidade dessa questão. Porque é uma questão doutrinal, e que fundamentalmente (e inevitavelmente) abriria as portas para interpretações diversas e “inovações” teológicas perigosas. Sem meias palavras, isso seria modificar a visão da Igreja sobre a família dentro do sacramento do casamento; sua própria definição e, por fim, diminuiria radicalmente o que representa a família no plano da salvação. Ora, se você pode participar do sacrifício pascal da forma que escolher, você não mais participa dele, mas agora dita as regras. Você escolhe a ruptura (um direito seu, assim como é o pecado) e ainda quer exigir as benesses. Vivemos em um momento em que as pessoas não querem as consequências dos seus atos. Elas querem a escolha e isso basta. Porém, como toda escolha tem consequências, gostemos ou não, o que é feito hoje em dia é como varrer a sujeira para baixo do tapete. Exigem que as consequências não sejam vistas, já que não é possível não produzí-las, como é impossível não produzir sujeira. Dessa forma, o povo de Deus é iludido a pensar que já não precisa lutar pelo seu casamento, ou que ele não é a representação mistagógica da eucaristia, como ensinou São João Crisóstomo. A Igreja, participando da ilusão modernista de que as consequências são “punições”, e que ninguém deve viver com sua própria sujeira, vira parceira no escamoteio do pecado, que está ali, mas você não quer ver. Esconde, mas não resolve. Só não pensem que é possível represar tamanha sujeira indefinidamente.
Pulemos para alguns fatos. Quando a pílula anticoncepcional surgiu, a Igreja prontamente trouxe sua existência e as consequências do seu uso para o debate. Literalmente. Uma comissão de leigos, contando com médicos, eticistas, cientistas e outros, foi criada e discutiu por anos o uso da pílula no século XX. É bom lembrar que apenas a pílula de estrogênio existia na época, uma pílula violenta até para a mulher que a tomava, sem falar no aborto provocado. Quando a discussão parecia entrar na seara da teologia, o Papa Paulo VI a retirou de qualquer ligação com o Concílio Vaticano II e deu a ela um caráter conselheiro. Algo assim não poderia ser decidido em votos, ou de qualquer forma, mas apenas deveria aconselhar. O único erro foi esticar a discussão por anos, permitindo a impressão de que o uso já era autorizado tacitamente. Mas isso é para outro artigo. Após o comissão apresentar em seu relatório que a impressão de sua maioria era de que, de acordo com seus pontos de vista e suas especialidades, a pílula deveria ser liberada. O Papa, então, estudou longamento o relatório, e como transpor aquilo para a teologia e doutrina católica. O resultado é um dos documentos mais belos do século XX, a encíclica “Humanae Vitae” (1968). Também é certamente o documento mais controverso do século XX. O ponto desse artigo é examinar a visão do papa sobre a questão, e traçar um paralelo sobre a controvérsia do sínodo em curso. Paulo VI, sem dúvida inspirado pelo Espírito Santo, entendeu que ter filhos é um resultado da união da família e um fato do ato sexual, e que tornar isso um “subproduto”, um “possível bônus” (ou ônus, como alguns dizem), seria separar o ato sexual da sua consequência e, por fim, modificar tão profundamente o sentido do casamento, que já não se poderia mais chamá-lo assim.
Algo semelhante deveria ser entendido no Sínodo. No momento em que você varre as consequências para baixo do tapete, em busca de um sentimento barato de “deixar todos felizes”, incluindo aí até mesmo a eucaristia em sua tentativa de separar o casamento do sacramento, você, por definição, alterou o significado do sacramento e banalizou o erro em busca de uma falsa felicidade passageira. É estranho que tantos sacerdotes e religiosos queiram muito liberar tudo para que suas ovelhas fiquem felizes aqui, agora, e mesmo cometendo tantos erros que eles sabem que pode comprometer sua entrada na verdadeira felicidade, a felicidade eterna com Deus após suas mortes. Quem faz isso esquece o seu papel de pastor e de mantenedor da palavra de Deus. É quem se julga legislador e não intérprete atento e fiel.
Separar o casamento da eucaristia é impossível. Então você me diz que não é assim, que o casamento continua importante, mas estamos apenas estendendo a “felicidade” a todos, tornando a Igreja mais “inclusiva”. Além de tudo já falado, isso é também um discurso político. E baseado numa visão de felicidade contrária aos ensinamentos da Igreja. É a visão que jogou o mundo nos últimos séculos em um buraco escuro, em que crianças não obedecem os pais, pessoas não respeitam seus próximos, e apenas suas vontades têm qualquer peso nas atitudes do dia-a-dia. E é um discurso em favor de doutrinas não só contrárias, mas raivosamente opostas à Igreja. A Tradição ensina que a felicidade está em sua proximidade a Cristo através de Sua Igreja. A felicidade está em aceitar e carregar a sua cruz, e não em fugir dela ou escondê-la. É aceitar a palavra de Deus, e não politizá-la. A santidade, a vida na felicidade eterna com Cristo, requer sacrifícios, e não fugas.
Chegamos então em G.K. Chesterton, que se tivesse que ir até Roma sem sua esposa, Frances, provavelmente só estaria, assim como este site, chegando agora no Sínodo. O que Chesterton pode, ainda hoje, dizer ao Sínodo? Muito do que os participantes precisam saber! Poucas pessoas interpretaram tão bem as palavras de Deus na Bíblia ou na Tradição. Além de reconhecer o mundo como ele é, e não só desnudá-lo para todos verem, como ajudar as pessoas desse mundo a trilhar o melhor caminho para a verdadeira felicidade. Um intérprete assim jamais pode ser desprezado. Você o faz por sua conta e risco!
Chesterton nos deixou uma obra que poderia ser entregue inteira ao Sínodo, e mesmo algumas pessoas pegando diferentes livros ou coletâneas, poderiam chegar à mesma conclusão: todos os caminhos levam à ortodoxia. No caso, o trocadilho chestertoniano é válido. Seu livro, Ortodoxia, não é apenas sua magnum opus, mas é a resposta final do problema. Nada poderia ser mais chestertoniano do que dizer ao homem que a solução é um paradoxo; é uma inovação que não é novidade. A solução é mostrar ao homem o que sempre esteve na frente do seu nariz. É ser contracultural de verdade, recorrendo a verdades perenes toda vez que se confunde novidade com qualidade. Chesterton disse: “o ato de defender as virtudes cardeais tem hoje toda a excitação de um vício”. Não há como negar! Quando o vício é o comum, se dizer contrário é atrair para si os rótulos de “puritano”, “beato”, “quadrado”, “crente”, todos nos sentidos mais pejorativos. E esses são os termos mais brandos que eu já ouvi! Viver para ser revolucionário apenas para descobrir que apenas se segue o caminho mais fácil é o paradoxo de quem apenas repete qualquer novidade sem julgamento.
A heterodoxia não é apenas um ímã de heresias e um caminho para o sofrimento, mas é aceitar ser carregado de pernas para o ar, indefeso contra as correntes mais débeis. A ortodoxia, ao contrário, é o culminar do pensamento. É perceber que todas as pistas já estavam na nossa frente, só nos faltou enxergá-las. É se perceber diante da verdade. Uma vez diante da verdade, só nos cabe a hombridade para aceitá-la e cultivá-la. A ortodoxia é o inevitável fim de uma busca que nos custa muito, mas nos dá tudo de volta. É descobrir simples o que levou anos sendo complicado por nós mesmos e por um mundo que briga com os fatos.
Ortodoxia é aceitar a verdade. E para um cristão, a verdade é Jesus Cristo. Sua verdade é passada por Sua Igreja. Sua Igreja já chegou ao consenso sobre o casamento desde a era da patrística. É simples! Chesterton diria que a Igreja só precisa ouvir ao que ela mesmo já disse. Não há motivo para complicar. A Igreja é contracultural! Sua fundação é contracultural. Homens como São João Crisóstomo, ao clarear a visão da Igreja sobre o casamento, foi contracultural até mesmo se você pensar que parte dos cristãos de sua época não viam o casamento como possível caminho para a santidade. A encíclica “Humanae Vitae“, do Papa Paulo VI, é provavelmente o documento mais contracultural da Igreja do século XX. O casamento é contracultural nos dias de hoje. Tudo isso está alinhado porque é ortodoxo! É o homem aceitando uma verdade simples, que novas situações em suas vidas cristãs são novas, mas não precisam de novos remédios. Novas situações só se tornam boas situações quando são ortodoxas; em conformidade com o que Chesterton sempre lembrava, o senso comum. O senso comum é o conjunto disso que eu citei antes, pistas deixadas por Deus para que todos possam entender Seu amor com facilidade. Não compliquemos o que pode ser simples e bom.
Há ainda o princípio esclarecido por Dale Ahlquist, um dos maiores especialistas em Chesterton. É um princípio filosófico chamado de “Cerca de Chesterton”. O nome vem de um exemplo dado pelo rotundo escritor em seu livro de 1929, “The Thing: Why I am a Catholic”, em que Chesterton diz que o reformador atual vê uma cerca no caminho e a retira, já que não sabe por que ela está ali. Enquanto o reformador mais inteligente vai querer parar, estudar, e tentar primeiro descobrir por que a cerca está ali. Ou seja, você só muda algo depois que entende perfeitamente o que é, as circunstâncias etc. No caso do casamento e as mudanças propostas por alguns, nós vemos a cerca, mas alguém sabe exatamente o que está acontecendo? Alguém tem absoluta convicção de que 2000 anos de entendimento podem ser modificados por circunstâncias confusas como as atuais, como a união das pessoas no mundo moderno? Por que arrancaremos a cerca se não sabemos por que ela está ali? Não parece o mais sábio a fazer.
Ao final do Sínodo, Chesterton telegrafaria para a sua esposa e perguntaria: “estou em Roma. Para onde eu deveria ir?”. Frances responderia: “para casa”! Deus já levou o grande G.K. Chesterton para Sua morada. Mas seu legado permanece entre nós. Quanto mais se lê Chesterton, se percebe como ele enxergava o que para nós parece tão difícil: a simplicidade da ortodoxia, das pistas deixadas por Deus para se entender Sua Vontade. Elas estão ao alcance do homem. Ontem, hoje e estarão amanhã. Basta abrir os olhos. Chesterton é um bom intérprete. A Igreja deve se lembrar dele para manter o caminho para Deus sem obstáculos. Basta um pouco de bom senso.
em Cristo, sob a proteção da Virgem Maria, e estendendo abraços ortodoxos,
um Papista.