A infinita dignidade da vida. Uma pequena reflexão ontológica e teológica sobre o valor da vida, suas fontes e consequências.
A dignidade humana é o nosso valor ontológico. Valor de ser e existir. Por si só é um valor infinito do homem que, estando acima da natureza por sua alma e racionalidade, não pode ter sua dignidade reduzida por nada na Terra, nem mesmo o próprio homem.
Se a dignidade é basicamente demonstrada e exercida nas escolhas, o seu próximo, o outro, é necessariamente o limite das ações (sob pena de se diminuir a categoria ontológica do homem). Tendo as ações um limite necessário e determinável no próximo, logo, não sendo valores ontológicos absolutos, é a própria vida o valor absoluto necessário, sendo assim infinitamente digna em si mesma.
Conclusão: atribuir valor infinito à ação humana em si mesma é relativizar o próprio valor da vida! Isso pressupõe que a sua ação, sendo infinitamente digna, não precisa se preocupar com o seu próximo, que, na mesma teoria, possui o mesmo valor infinito em suas próprias ações. Não só é uma contradição em si, mas é a raíz do egoísmo e do relativismo. Ou a dignidade da vida é valor absoluto em si mesma, não podendo ser interrompida por nenhuma ação pessoal, ou necessariamente estamos diminuindo a vida a um valor insustentável.
O aborto, a eutanasia, e qualquer crime contra a vida devem ser eliminados do nosso mundo exatamente por denegrirem a infinita dignidade da vida e colocarem as escolhas e ações acima do valor ontológico categórico do homem! Apenas a autodefesa é cabível, exatamente por impedir que uma ação criminosa se coloque acima da sua dignidade. A dignidade do homem está até mesmo acima da sua liberdade de escolha. O contrário disso é a lei da selva.
Não há como fugir da questão do Estado. Comento brevemente. Não se pode negar o direito do Estado de levar a cabo suas leis e penas, incluindo a pena de morte. Só que a mesma não pode ser considerada a única possibilidade, ou justa em si mesma. A idéia por trás da pena de morte é a autodefesa do Estado. Seria justa como a do homem. O problema desse raciocínio é que o Estado só age em resposta, e nunca evita o crime anterior. Logo, essa é uma justificativa no mínimo complicada. No fundo, são coisas diferentes. A pena capital deveria ser evitada, ou mesmo eliminada do ordenamento jurídico. Porém, é impossível não reconhecer o direito de um país exercer o que assim está determinado nas suas leis. Cabe ao homem, além de lutar por penas definitivas que preservem a dignidade da vida, tentar viver de forma a não provocar esse direito do Estado. É a mudança pessoal que torna a punição obsoleta.
Este foi um pequeno exercício ontológico. A conclusão teológica é ainda mais simples. Se tudo isso está correto, e o homem tem sua dignidade infinita pela vida em si, acima da natureza por sua racionalidade (alma em ação), sua essência só pode estar além da natureza, além do mundo! Se sua essência não é deste mundo, ela é daquilo que o criou e ao mundo. O acaso não tem dignidade e não pode refletir dignidade máxima, da mesma forma que a ação por si só não é a dignidade em seu ápice. Logo, a dignidade da vida vem de Deus, e apenas em comunhão com Deus ela pode encontrar seu sentido e apogeu.
Não é coincidência que o homem, ao se distanciar de Deus, se torna cada vez mais relativista e despreocupado com as causas e consequências dos seus atos, com os princípios que dão sentido e dignidade às relações. Quando o homem reflete sobre isso, é incapaz de encontrar uma resposta definitiva, restando apenas reações a estímulos. Reações que cada vez menos se tornam um modo de vida meramente compatível com a vida em comunidade. A lei da selva tem imperado, afinal, se suas ações e escolhas são toda a sua dignidade, ninguém pode impedí-las. A dignidade humana se perde naquilo que o homem tenta elevar como único fiel da balança, o absolutismo da ação pessoal.
A perda da solidariedade como imperativo ético é a consequência mais óbvia desse quadro de confusão ontológica. Ninguém pode se surpreender se mais e mais o homem entrega essa responsabilidade ao Estado. Se não temos outra escolha a não ser viver em comunidade, mas ao mesmo tempo queremos liberdade total e despreocupada com o nosso próximo, apenas o Estado poderá reger as nossas relações. Quando ele assim fizer, será com o uso da força!
De qualquer ângulo que se olhe, a grande tristeza vem da ausência do absoluto em nossas vidas. O enorme vazio pessoal e das relações não vem de regras morais que alguns pensam tolher suas ações. Vem das ações sem limites que não encontram abrigo no coração ou na vida em comunidade, admita a pessoa ou não. Sem admitir, ela se encontrará eternamente brigando consigo mesma e colocando a culpa no que seu bom senso tenta lhe dizer. É uma briga impossível de ser vencida, e que só causa dor e tristeza.
Blaise Pascal tem uma frase atribuída a ele que eu jamais encontrei em seus escritos, mas me parece ser, na verdade, um resumo de uma reflexão do seu mais famoso livro, “Pensamentos” (Pensées). A frase é sobre um vácuo em forma de Deus no coração de todos. A reflexão original, no entanto, é muito mais bela:
“O que mais o desejo e o desamparo proclamam senão que um dia existiu no homem alegria de verdade; e de que tudo o que restou dalí é um marcado vazio? Tenta o homem, em vão, preenchê-lo com tudo o que está à sua volta, buscando em coisas que não estão ali o socorro que não pode encontrar nas que estão. Tudo isso é inútil, porque esse abismo sem fim só pode ser preenchido com algo infinito e imutável; em outras palavras, apenas por Deus“. – Pensée 425.
Apenas em Deus somos completos. Apenas em Deus sabemos o que somos, e se em Deus nos encontramos, Nele também sabemos o que é nossa dignidade. A vida, uma dádiva de Deus, é dignidade infinita! Ela vale nossa solidariedade, nosso amor e nossa luta. Sem descanso! Nos tempos atuais, principalmente quando se trata do aborto, um crime brutal contra a dignidade humana! Um mal que só cresce num mundo que, sem Deus, não reconhece mais sua própria dignidade.
Se em Deus nos completamos, em Cristo, o homem completo e Deus verdadeiro, vemos o reflexo humano e divino da nossa infinita dignidade. Nele nos apoiamos para enxergar mais longe e para descansar de nossos erros. E na Sua Igreja temos a certeza de encontrá-lo! Reconheçamos em Deus nossa única opção para entender plenamente nossa infinita dignidade.
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista.