Qual é o papel da teologia católica quando se fala em consciência? Essa pergunta se tornou cada vez mais urgente no último século, o tempo em que o relativismo reina quase intocável.
O Catecismo da Igreja Católica (CIC) nos ensina que a consciência jamais é totalmente autônoma. Ela se sustenta sobre um juízo moral, a lei do amor que Deus escreveu em nossos corações e está acessível a todos (Rm 2,14-16). Embora arranhados pelo pecado, nós ainda somos capazes de ouvir esses princípios de forma inata. Ou seja, com atenção ao que é devido, podemos diferenciar o certo do errado, o que é moral e o que é imoral. “Quando presta atenção à consciência moral, o homem prudente pode ouvir Deus a falar-lhe” (CIC §1777).
A consciência católica é o testemunho da razão baseado na lei moral inscrita por Deus em nossos corações. Por ser racional, jamais pode ser um testemunho inculto ou sem base moral sólida.
Teologicamente, a consciência não pode jamais estar desligada do ‘depositum fidei‘, o patrimônio da verdade do qual a Igreja é guardiã. Nem mesmo a Igreja e seus membros podem modificar o que Deus nos deu a conhecer pela fé através da Tradição, Bíblia e Magistério. Ou seja, a consciência é livre quando tem responsabilidade para assim o ser; e sequer existe fora da Igreja, guardiã do depósito da fé.
Como já falei em outros artigos, um dos grandes presentes dados ao mundo pelos jesuítas foi o seu carisma do discernimento. O discernimento, como ensinado pelos jesuítas, é antes de tudo uma ferramenta para o nosso dia a dia; é discernir se estamos com Deus ou com o demônio; se cada ação ou pensamento nosso é sagrado ou profano; sobre como levar uma vida santa, e como colocar nossas vidas, no menor dos atos, a serviço de Deus e Sua Igreja.
Uma terrível confusão acontece quando o homem extrapola as definiões de consciência e discernimento. Quando a consciência parece um carisma autônomo, ela transforma o discernimento em algo entre ‘eu’ e ‘eu’, entre a minha vontade e os meus instintos. Desligada da responsabilidade, a consciência não é livre, mas escrava do pecado, o feitor do nosso ego. Separada do depósito da fé, nossa consciência não é mais um instrumento divino e libertador, mas um símbolo da nossa servidão. Fora da Igreja, o discernimento é mero diálogo com nossos impulsos mais baixos.
O mantra do mundo moderno: “siga a sua consciência”, nos é entregue embalado em uma falsa definição do que é a consciência. Fora da Igreja, desligada do depósito da fé, seguir a sua consciência se torna o slogan do show da nossa perdição. O que o mundo quer é que você atenda aos seus impulsos e tente modificar o depósito da fé, e não cumpri-lo.
Se o depósito da fé é protegido pelo Espírito Santo, fora da Igreja, o rastro de destruição deixado por esse slogan arrisca afastar os fiéis do Senhor. Nossa missão é santificar nossas vidas e levar a Palavra de Deus, a salvação em Jesus Cristo, a todos. Isso significa conduzir os povos para a Igreja, guardiã da fé. Se ensinamos ao povo que ele pode decidir unicamente por seus impulsos, e não que uma consciência só é livre quando em comunhão com a doutrina da Igreja, estamos pecando contra o Espírito Santo, pois, no batismo, recebemos a missão de levar a Palavra da Salvação a todos. Trair essa missão é pecar contra o Espírito Santo, o pior pecado possível. Exatamente porque estamos afastando as pessoas da Igreja, senão fisicamente, mas espiritualmente.
O discernimento que o Papa Francisco (um jesuíta) tem pregado é sobre as ações pastorais para questões doutrinais que permanecem intocadas. É o entendimento de como a Igreja deve tratar aqueles que, por exemplo, não podem receber a Eucaristia. Apenas a malícia de alguns tem distorcido essa questão e usado uma falsa noção de consciência para apagar a diferença entre a questão pastoral (como receber, tratar, e explicar a situação para as pessoas sem interferir na doutrina), com a questão doutrinária (se a pessoa pode ou não receber os sacramentos). Por pura malícia, algumas pessoas têm nublado a discussão e pregado uma falsa independência da consciência que é, na verdade, ser escravizado pelo pecado.
O discernimento proposto por alguns, na verdade, trata a consciência como uma “revelação privada”, algo que o Espírito Santo revela unicamente à pessoa. De acordo com essas pessoas, esse tipo de (falso) discernimento vale mais do que a doutrina da Igreja, pois seria uma maneira do Espírito Santo ensinar diretamente ao homem como a Verdade revelada deve ser interpretada naquele momento da história, como se Espírito Santo seguisse o calendário, e não a eternidade.
Isso não só é uma perigosa mentira, como uma contradição inaceitável! O Espírito Santo não pode contradizer o que Ele mesmo guarda no depósito da fé! Não é da natureza de Deus se contradizer ou agir por caprichos de momento. É por isso que esse tipo de “revelação” não é tratada pela Igreja como tendo o mesmo peso que as revelações públicas ou a doutrina. Vejamos o que o Catecismo, a explicação do depósito da fé, diz sobre revelações privadas:
“No decurso dos séculos tem havido revelações ditas «privadas», algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja. Todavia, não pertencem ao depósito da fé. O seu papel não é «aperfeiçoar» ou «completar» a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o sentir dos fiéis sabe discernir e guardar o que nestas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos seus santos à Igreja.
A fé cristã não pode aceitar «revelações» que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação de que Cristo é a plenitude. É o caso de certas religiões não-cristãs, e também de certas seitas recentes. fundadas sobre tais «revelações»” (CIC §67).
Voltamos ao nosso ponto inicial: para um católico, não existe teologia fora da Igreja, ou seja, separado do depósito da fé. Não existe consciência senão a que ouve a lei de Deus inscrita em nossos corações. E não existe discernimento que não seja o que permite uma interpretação em harmonia com a sã doutrina.
Qualquer coisa contrária a isso causa dissidência. Não é um cisma, como alguns dizem. É dissidência. Cisma é algo ainda mais grave, pois não dá a oportunidade de correção fraterna e a volta do dissidente aos braços da Santa Mãe Igreja. De qualquer forma, a dissidência é uma chaga terrível. É um membro do corpo físico que não está em comunhão com o resto. Ele tem que ser identificado e tratado com fraternal correção, ou a medida cabível se insistir no erro. Porém, até lá, o desastre pode ser enorme entre a sua congregação.
Todo bispo é responsável pelo que acontece ou é dito sob sua autoridade, e ele responderá por isso diretamente ao Senhor. Porém, a responsabilidade cristã, em comunhão com a Igreja, nos comanda a discernir o rumo das ações individuais. É necessário provar o lugar e o valor da boa teologia, aquela em comunhão perfeita com o depósito da fé, na sociedade, especialmente no ensino. A pergunta é simples: o que nós podemos fazer pela Igreja? Não basta exigir ação e reação dos bispos em um mundo em que existem milhares de sacerdotes e leigos sob a sua responsabilidade. É preciso participação na vida da comunidade, principalmente, ocupar os espaços de ensino com a boa teologia.
Muito mais que o embate público, muitas vezes infrutífero e que serve apenas ao próprio ego, o católico deve se esforçar para aprender e ensinar a boa teologia, a teologia fiel à Sagrada Tradição. O ensino católico da teologia tem se deixado pautar pela “Alta Crítica” e por qualquer moda, aceitando passivamente qualquer explicação que contradiga a doutrina. Aliás, não só aceitando como escolhendo essas teorias ao invés da doutrina, principalmente no caso da exegese bíblica.
Já passou da hora de (re)ocuparmos o espaço nas escolas e universidades católicas, e utilizar as redes sociais para catequizar e ensinar. Existem muitas boas iniciativas pela internet, mas é preciso ir além. As duas coisas são necessárias, tanto os instrumentos que a tecnologia nos dá, quanto as cátedras em cursos de teologia e filosofia católicos. Ensinar! Não ficar “caçando hereges” para deleite de um público que pouco contribui para a salvação das almas! Faça alguma coisa, não só aponte o dedo e reclame com o bispo ou culpe o papa.
É preciso uma vivência católica que seja exemplo para o próximo. O ensino é o complemento necessário, mas é o exemplo que conduz o próximo a buscar a Igreja.
“Não extingais o espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai tudo e ficai com o que é bom” (1Ts 5,19-21).
Como saber o que é bom? A Igreja nos brinda com a sã doutrina, que nos ensina, para além de nossas interpretações pessoais, a vontade de Deus. Discernir, em comunhão com a Igreja, é o que São Paulo chama de “o que é bom” na carta aos Tessalonicenses.
Siga a sua consciência, sim, mas uma consciência fiel à doutrina da Igreja. Deus nos deu a Tradição e o Magistério como um escudo contra a má interpretação. Use-o e defenda a sua fé!
Que recorramos sempre à Santa Igreja Católica, a guardiã da fé. Que saibamos que nossa consciência é alimentada pela Palavra de Deus inscrita em nossos corações, e nosso discernimento é livre quando é feito em comunhão com a Doutrina Sagrada da Igreja. Entendamos, de uma vez por todas, que não existe teologia católica fora da Igreja!
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista.