O Jubileu – parte 2: Tobias e o Sermão da Montanha

By | 11 de março de 2019
Tobias e o Arcanjo Rafael

A única maneira de se entender as Escrituras é observar o cumprimento messiânico em Cristo. É o que Santo Agostinho ensinou: “o Novo Testamento está contido no Antigo, e o Antigo Testamento se revela e eleva no Novo“. Essa relação é ensinada pelo próprio Cristo na Estrada para Emaús (Lc 24,13-35), quando Nosso Senhor ensina a Cléofas e seu amigo como tudo o que as Escrituras narravam se cumpriu nEle (Lc 24,27).

            Da mesma forma, temos mais de 300 citações ou o cumprimento tipológico do AT no NT. Praticamente toda ação ou fala de Cristo é parte do cumprimento ou do resgate do que foi quebrado pelo pecado no AT. Da mesma forma, os apóstolos e demais evangelistas e autores dos livros do NT usam o AT para embasar e demonstrar que o plano de Deus para nós é observado apenas se entendendo o cumprimento messiânico em Cristo.

            Exatamente por isso, quando examinamos o Sermão da Montanha (Mt 5-7), devemos nos perguntar de onde vem as passagens que o Senhor está ou citando ou aludindo ao cumprir e elevá-las em si mesmo. A imagem de um Cristo que não se baseia no AT, ou seja, no que o Pai já havia prometido, é herética. O que é novo em Cristo é novo por ser eterno; é novo por cumprir e elevar o antigo; mas não inventar; e certamente não para abolir, mas para cumprir (Mt 5,17).

            No capítulo 6 (Mt 6), o Senhor destaca três maneiras de se juntar um tesouro no Céu, ou seja, Graça Santificante: esmola, oração e o jejum (Mt 6,1-16). É também nesse trecho que Ele ensina a oração do Pai Nosso.

            O fato é que a maneira com que Nosso Senhor cita essas boas obras – que são as obras de misericórdia, uma expressão idiomática em Hebraico (gemilut chassadim – גְּמִילוּת חֲסָדִים) que indica as obras de caridade – é reflexo apenas de uma passagem do livro de Tobias (Tb 12,8-10). Ainda que a base para a doutrina citada esteja na Torá (como em Nm e Dt), esse perfeito encadeamento de oração, esmola e jejum, como parte da recompensa no céu, só é assim refletido no livro de Tobias. De fato, o Senhor está elevando o ensinamento do livro de Tobias, sendo bastante evidente em Seu propósito.

            Retirar o livro de Tobias da Bíblia é eliminar não só um dos livros sagrados; um dos mais belos da Escritura; mas é também retirar a maneira de entender melhor o que o Senhor quer para nós no mais belo sermão da história.

            Se quisermos realmente viver o Jubileu libertador, temos que entender que o Senhor coloca a oração entre a esmola e o jejum quando enumera o justo viver no Sermão da Montanha. Não por acaso, mas para que não se esqueça do que foi ensinado antes pelo Arcanjo Rafael a Tobit e Tobias: “A oração é boa quando acompanhada pelo jejum, a esmola e o justo viver. O pouco com justiça é melhor do que muito com iniquidade. É melhor dar esmolas do que acumular tesouros” (Tb 12,8).

            Mais uma vez, contextualizar é necessário. O livro de Tobias relata o período em que não havia mais um Templo para que sacrifícios sejam realizados para a expiação e redenção. Tobit ensinaria o seu filho a maneira de receber a Graça de Deus evocando imagens da ‘Berakha‘ de Aarão, a grande oração sacerdotal da Torá (Nm 6,24-26): “para que a face de Deus não se desvie de você” (Tb 4,7). Isso implica que Tobit vê a esmola como um substituto para o sacrifício sacerdotal do Templo enquanto o verdadeiro sacrifício não pode ser realizado, tamanha a sua importância.

            Ainda que não uma seja uma substituição definitiva, ela seria um reflexo do sacrifício, algo que se relaciona com o sacrifício do Cordeiro. Quando o jovem rico pergunta a Jesus o que mais ele precisava para ter a vida eterna, o Senhor diz a ele que, para ser ‘completo’ (Téleios – τέλειος), por vezes traduzido por ‘perfeito’, ele deveria vender tudo o que possuía e dar aos pobres (Mt 19,21). Da mesma forma, o Senhor diz que a esmola da viúva era melhor do que a dos ricos porque ela dava o que não tinha (Mc 12,41-44; Lc 21,1-4).

            A boa esmola, enfim, é sempre uma participação no sacrifício salvífico. Dando esmola; vivendo a caridade, Deus não desviará a face de nós e acumularemos um tesouro de Graça.

            Nossas orações são uma relação com o Senhor, mas ganham nova vida quando se vive a fé com a caridade e a penitência. É assim que o Senhor nos ensina a ser o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5,13-16), através de uma vivência que é exemplo cristão.

            Tal vivência é também o cumprimento do Jubileu (ver parte 1: https://www.papista.com.br/2017/04/04/o-jubileu-dsi/). O Jubileu era uma forma que encerrar um ciclo de pobreza que levava à servidão, algo que o profeta Jeremias deixa explícito ao dizer que o exílio babilônico foi causado quando se ignorou a Aliança do Jubileu (Jr 34,12-18).

            No tempo nomádico ou agrário do AT, quando qualquer dívida significava a perda da terra e, consequentemente, a escravidão, o Jubileu visava um fim ao ciclo da servidão. Era uma determinação para toda a nação lembrar ao mesmo tempo de viver a Aliança.

            O novo Jubileu, o Jubileu de misericórdia da Nova Aliança, deve ser vivido através da caridade. Somos lembrados pelo Ano do Jubileu, pela Liturgia, e pelo ensino da Escritura. Porém, não temos mais uma condição unificada e verticalizada como uma ordem para a nação, de forma que a impressão era como a de uma lei estatal. Ainda que não fosse isso, essa é a impressão.

            Ao contrário, na Nova Aliança, é a nação que deve buscar se harmonizar aos ensinamentos através do empenho individual de viver as leis da Igreja. Esquecer a nossa obrigação de viver o Jubileu é entregar ao Estado o dever de olhar pelos pobres e, consequentemente, voltar ao ciclo da servidão. Uma nação voltada a Deus significa um Estado que não toma para si o que é dever exclusivo dos indivíduos. Uma nação voltada para Deus é um indicativo de que os inidivíduos e suas comunidades vivem o Jubileu.

            O grande Jubileu da Graça divina vem da esmola, da oração e do jejum. A vida cristã é uma vida de caridade, para tomar para si a responsabilidade dada por Deus para encerrar o ciclo de servidão dos irmãos em necessidade; uma vida de oração, para que nossa relação com o Pai seja íntima e Ele nos revele melhor a Sua vontade a cada dia, e para que saibamos dar graças pelo que recebemos; e uma vida de penitência, para que encaremos nossos pecados e recusemos um pouco o que é bom para que saibamos colocá-lo no seu devido lugar.

            Como vimos, a oração é citada entre a caridade e a penitência. O Senhor quer que entendamos que Deus sabe melhor do que nós mesmos o que é a nossa vida e o que precisamos. Nossa oração é boa quando ela acompanha uma vida de caridade e esforço para conter nossa concupiscência. É a vivência católica em todo o seu esplendor no Jubileu da Graça.

            A vivência católica é a melhor forma de evangelização. É o exemplo vivo, aquilo que pode converter sem palavras. É a nossa salvação e o chamado para a salvação do próximo. O segredo da Nova Evangelização é o Jubileu!

            O Jubileu da misericórdia de Cristo é encarar o pobre como um irmão que precisa de ajuda (Is 58,6). Não dos outros; não de um governo; mas da nossa ajuda. Deus não vira o rosto para quem não vira o rosto para o irmão necessitado. O caminho para a Doutrina Social da Igreja (DSI) é entender a Escritura e o que precisamente é o mandamento para a esmola, oração e jejum; que são a alma da vivência católica. Devidamente entendida e praticada, a DSI é o Jubileu; biblicamente contextualizado, o Jubileu é participação no sacrifício salvífico; devidamente vivido, o Jubileu é um tesouro de Graça nos Céus.

            Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,

            um Papista

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4 thoughts on “O Jubileu – parte 2: Tobias e o Sermão da Montanha

  1. LUCAS FALANGO

    Excelente artigo! O texto da Vulgata deixa claro a referência de Jesus ao livro de Tobias:

    (Tobias 4,16)
    Acautela-te, não faças nunca ao outro o que não quererías que outro te fizesse.

    (Mateus 7,12)
    Assim, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles, porque esta é a lei e os profetas.

    Deus abençoe!

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  2. Alex

    Esmola, oração e jejum!! Eis a receita!
    Palavras inspiradas, Papista!
    Deus abençoe seu trabalho.

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