No Quinto Domingo da Quaresma, a Igreja nos mostra a luz no fim do túnel, o caminho para fora do deserto dos nossos pecados e a salvação definitiva. Esse caminho não é nada menos que o Filho de Deus forjando uma Aliança conosco. Uma Aliança é um juramento sagrado que gera uma relação familiar.
Tal juramento, em latim, é “sacramentum”. Nossa expectativa, então, é por um Sacramento que ratifica a nossa Aliança com o Senhor. Não as mesmas Alianças, mas uma Nova Aliança. Essa é a mensagem profética de Jeremias na primeira leitura. As Antigas Alianças, sagradas e boas como fossem, já não serviam para a realidade feito nova, recriada pelo Messias.
As Antigas Alianças conduziram Israel, o filho primogênito do Senhor (Ex 4,22), fazendo tudo o que fosse necessário para que o homem não se perdesse totalmente no pecado. Isso incluiu pesadas leis, o “jugo”, que ajudavam a domar a concupiscência, mas terminavam por expor o pecado como uma ferida aberta. No mais, elas apenas impediam algo. Ninguém se salvaria apenas cumprindo preceitos, como São Paulo diria seguidamente em suas cartas. Seria preciso uma nova realidade, uma Nova Aliança.
A Nova Aliança, diz o Senhor através do profeta Jeremias, será para “a Casa de Israel e a Casa de Judá”, um sinal da plenitude de Israel recriada. Recriada é a palavra certa, pois a “Casa de Israel”, o “Reino do Norte”, havia sido completamente destruída pela Assíria. Ainda que houvessem sobreviventes espalhados entre os povos, tal resgate (prometido por diversos profetas) seria sempre a profecia mais enigmática para o povo. Deus prometeu, mas como isso se daria? Como seria possível?
Isso se daria na Nova Aliança. A “Casa de Israel” seria resgatada através da conversão dos gentios, já que a linhagem do Reino do Norte estava entre eles (Rm 9-11). A salvação viria pela formação de uma grande família católica (universal). Como se daria a salvação?
Deus, diz o profeta Jeremias, perdoará as nossas iniquidades e não mais se “lembrará” dos nossos pecados. Há um trocadilho poético proposital em “perdoar” (סָלַח) e “lembrar” (זָכַר), “salah” e “zakar”, conjugados como “es-lah” e “ez-kar”. A expressão para “lembrar” seria algo como “memoriar” e tem relação direta com “zikkaron” (זִכָּרוֹן), a expressão para “memorial”, a oferta sacrificial feita em “memória”. Não por acaso, a tradução grega seria usada no NT para descrever o oferecimento eucarístico: “anámnesis” (ἀνάμνησις), fazer isso “em memória de mim”.
Ou seja, quando Jesus forjar a Nova Aliança em Seu Corpo e Seu Sangue, não é apenas para “lembrar” dele, mas é um sacrifício real. Um que foi realizado na Cruz, mas que nunca tem fim no Banquete do Cordeiro. Não será uma nova crucificação, mas a celebração, a “memória” do sacrifício eterno de Cristo pelos novos pecados.
Jeremias, então, anuncia não apenas a Nova Aliança, mas um ato sacrificial de Ação de Graças, uma oferta memorial. Uma que perdoa os pecados, liberta e abre uma tempo de equidade. Tal descrição é exatamente ao que o Senhor se referia em ‘Lc 4,16-21’, quando Ele lê o livro do profeta Isaías (Is 61,1) e anuncia a instituição do “ano da Graça”. O que é o “ano da graça”?
É uma referência ao Jubileu (Lv 25), um ano em que as dívidas seriam perdoadas, devolvendo ao povo a sua dignidade ao sair da servidão natural que vem de se contrair dívidas. Ou seja, a Nova Aliança institui um Jubileu perpétuo, celebrado em um memorial, uma oferta de Ação de Graças (Eucharistia) que nos liberta dos pecados ao nos adotar para a família de Deus.
Tal sacrifício está no centro da mensagem da segunda leitura. Logo após refletir sobre Cristo, Sumo Sacerdote Real da Ordem de Melquisedeque, São Paulo (como já disse diversas vezes, eu não vejo obstáculo real para a autoria paulina) fala da Paixão e da vitória de Cristo sobre a morte.
Vale notar que ele fala que Deus salvou o Senhor da morte. Não como se espera quando se lê uma frase assim. Não evitando a Sua morte, mas dando a Ele a vitória sobre a morte ao ir fundo na perdição humana e emergindo vitorioso. A “obediência de Deus” a que o apóstolo se refere é a certeza de que Deus fará tudo certo no fim. Não é preciso temer a morte, pois Deus a derrotou. É preciso se entregar a Deus para que, estando em Cristo, obediente a Deus até o fim, nós também obtenhamos a vitória da Ressurreição.
Cristo, então, é Sumo Sacerdote e oferta sacrificial. A imitação de Cristo será o que cantamos no Salmo, um dos mais belos do Saltério, “Miserere”. Arrependido de seu terrível pecado contra Urias por desejo de sua esposa, Betsabé, o rei Davi pede um coração contrito para ser o rei que Deus dele queria. Essa é a imitação de Cristo, uma entrega total, um coração contrito que aceita o julgamento que virá.
O julgamento, nos ensina o Evangelho, será um julgamento de misericórdia aos que forem obedientes a Deus até o fim. Uma “voz do alto”, a voz do Pai, é ouvida por todos, alto e claro: “Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo”. O “nome de Deus” foi glorificado. “Nome” é um sinônimo para a Aliança. Deus é amor, diz São João (1Jo 4,8). Ser uma família é quem Deus É. Seu “nome” glorificado através da Páscoa do Senhor é a entrega total que logo celebraremos, a Paixão de Morte de Cristo pela Glória (doxa) de Deus.
Satanás é o “soberano” (archon ἄρχων) deste mundo, mas ele está para ser derrotado, diz o Senhor. Essa é a vitória da Cruz. Essa é a vitória a que somos chamados a participar em total obediência. Obediência que é a fé total no Sacrifício Salvífico que nos conforta.
Neste quinto domingo da Quaresma, o Senhor nos mostra que a Quaresma na terra, o tempo no deserto dos nossos pecados, está no fim. Já vemos a Luz que não se apaga. Ela não está longe! Ela está sempre conosco. Somos chamados a obedecer hoje, a viver o Evangelho em caridade agora, para que, na nossa Páscoa, sejamos também ressuscitados pela Glória do Nome de Deus!
Nos preparemos para a chegada do Senhor em Jerusalém e os preparativos para o memorial eterno da Páscoa do Senhor. Não tenham medo e nem esmoreçam neste final de caminhada quaresmal. O Senhor já nos contou o fim dessa história. Ele é o Alfa e o Ômega, o começo e o fim, a eternidade no amor do Pai. Caminhemos com alegria e esperança para fora do deserto!
A hora está chegando e nós já podemos ouvir a voz que vem do alto. Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados!
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista