A passagem citada no título (Jo 3,16) é uma das pedras fundamentais da doutrina cristã. Nós a parafraseamos no Credo; nós a cantamos; nós a temos como base dogmática e inspiradora da nossa fé. Se, por um momento, conseguirmos ir além de rara beleza da passagem, poderemos mergulhar ainda mais fundo na incalculável profundidade da mensagem. Isso porque, inspirado por Deus, São João faz uma alusão a uma passagem do Antigo Testamento. De fato, apenas entendendo essa citação é que toda a força da passagem pode ser vislumbrada.
Um dos momentos decisivos da Revelação Divina é chamada de “Aqedah”, que vem da expressão hebraica para “amarração”. É em ‘Gn 22’, chamada de “Aqedah” por descrever a “Amarração de Isaac”. Tão importante é o momento – por mais razões do que se pode descrever em um curto texto (ou todos os textos do mundo) – que os antigos rabinos debatiam a força da representação do local como o ponto em que o Templo seria construído séculos depois.
O Templo, se lembrarmos, seria o único local em que sacrifícios poderiam ser oferecidos. Não é à toa, pois os sacrifícios seriam uma representação de um sacrifício eficaz como nenhum sacrifício animal poderia ser. E todos sabiam que o “quase” sacrifício de Isaac era a perfeita representação do que seria o sacrifício perfeito. Também não é preciso especular muito, pois Abraão diz (e aqui uma tradução mais fiel deve tentar captar o trocadilho proposital): “Deus proverá Ele mesmo um cordeiro” (Gn 22,8).
O que isso quer dizer? Que Deus proverá o Cordeiro, ou que Deus proverá a Si mesmo como Cordeiro? O Novo Testamento não deixa dúvidas do que era a real expectativa messiânica, embora muitos não pudessem imaginar nada tão perfeito para a tudo cumprir e a todos salvar. Um sacrifício perfeito para encerrar todo sacrifício simbólico, deixando apenas a participação eterna no único sacrifício, o sacrifício Eucarístico, que jamais é repetição, mas participação na realidade da perfeição do amor de Deus em um único ato salvífico.
Tudo isso se dá num momento de rara beleza. Quando Abraão está para sacrificar Isaac, Deus o interrompe e diz: “Não estenda a sua mão contra o menino! Não faça nada com ele, pois agora Eu sei que você teme a Deus, pois não me recusou seu próprio filho, seu filho único” (Gn 22,12).
Em Hebraico, a expressão usada para “filho único” é “iahid” (יָחִיד). É uma expressão rara que aparece apenas 13 vezes no AT e, em seu sentido primário, seria algo como “sozinho” ou “solitário”. No AT inteiro, no entanto, ela aparece 9 vezes para descrever um “filho único”. Os tradutores da versão grega do AT (LXX, popularmente conhecida como a “Septuaginta”) certamente entendiam que o sentido original do uso decorrente da expressão para “filho único” também indicava um sentido de um filho precioso por ser único, pois eles traduziram a expressão como “υἱοῦ agapetoú” (uioú ἀγαπητοῦ), “filho amado”.
Voltamos à narrativa de São João em que disse o Senhor: “Deus amou tanto o mundo, que lhe deu Seu Filho único”. Jesus claramente alude à “Aquedah”, já que toda a narrativa é sobre Jesus explicando a Nicodemos, um “Doutor da Lei” que esperaria uma explicação inteiramente nos moldes de um ensino rabínico sobre as Escrituras. Jesus está explicando como será a esperada salvação: Deus deu ao mundo o Cordeiro como prometido desde Abraão. Ele mesmo, Jesus Cristo.
Deus interrompeu Abraão porque o sacrifício de Isaac não curaria o mundo. Abraão passou no teste e se tornou pedra fundamental no grande resgate iniciado por Deus. Ele culmina com o sacrifício do Cordeiro de Deus; Deus provendo a Si mesmo como Cordeiro.
Como poderíamos não querer participar de tamanha alegria? Vivamos como quem ao menos tenta ter noção de tamanho amor que se entregou por nós, o Novo Isaac, o Cordeiro de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo. Glória a Deus!
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista