Salmo 24(23), procissão dominical e um Deus que não pode ser contido.

By | 5 de setembro de 2024

O Salmo que cantamos hoje na Missa é especial. É um dos salmos considerados parte de uma “Liturgia de procissão”, um canto de entrada no Templo. É possível que, em algum momento, esse e outros salmos tenham sido compostos para momentos especiais, como o traslado da Arca da Aliança para Jerusalém. Os salmos 15(14) e 24(23) são especialmente similares nesse sentido.

Qualquer idéia sobre o momento da composição é pura especulação, mas é mais que razoável supor que a composição seja em momentos especiais. Depois disso, como todo processo de orações e canções litúrgicas, esses momentos ou passam a ser lembrados especificamente, ou juntamente com atos contínuos que formam uma ‘memória’ religiosa e cultural que une ‘ecos’ da presença de Deus na história.

Por exemplo, é possível que o Salmo 24 tenha sido composto por Davi para o traslado da Arca até Jerusalém, mas também é possível que ele tenha composto o Salmo 15 para isso e, mais tarde, Salomão tenha composto o Salmo 24 para o traslado da Arca até o Santo dos Santos no recém-consagrado Templo e a ‘superinscrição’ que diz “de Davi. Um Salmo”, seja uma homenagem. Há uma diferença na escrita entre os salmos e, se estamos no terrono da especulação, talvez essa ordem seja mais significativa do que é possível afirmar tantos séculos depois. Algo entre “Salmo de Davi” e “de Davi. Um Salmo”, que poderia ser mais especificamente “para Davi” ou indicar uma tradição sobre adaptação de um canto antigo (o Salmo 15?). Seja como for, os salmos são claramente parte de um momento litúrgico específico, como uma ‘procissão de entrada’.

Não por acaso, a tradição dos rabinos (na Mishná) indica que o Salmo 24 era cantado (e ainda é em algumas tradições) aos domingos, na preparação para a semana). A Igreja Católica, por óbvio, não perdeu de vista a tradição litúrgica dos salmos e a idéia de uma preparação está por toda a nossa vida litúrgica. Das procissões à ‘preparação’ para se aproximar do Senhor com a ‘limpeza’ da Confissão.

Outro fato curioso do Salmo 24 é a bem observada questão teológica da ‘condescendência divina’. Em Teologia, isso se refere ao fato de que Deus se comunica conosco ao diminuir a Si mesmo para se fazer entender por nós, tão inferiores e limitados. O que muitos pensam ser invenção cristã muito posterior já está claramente no Salmo 24, ainda que simbolicamente.

O salmista diz que é preciso “aumentar os portões”, por vezes traduzido como ‘levantar os portais’, que não expressa perfeitamente o sentido, na minha opinião. Afinal, toda a questão é que Deus é grande demais para entrar por portões humanos. Em outras palavras, mesmo o Templo sendo a ‘habitação de Deus’ até ali, o salmista expressa a certeza de que Deus não pode ser contido ou limitado por um espaço humano. Seria preciso “aumentar os portões” (parece especificamente uma referência ao Santo dos Santos) para Sua passagem.

Tudo isso parece perfeitamente cumprido e elevado em Cristo e na Liturgia da Igreja. Nós festejamos a entrada do Rei em Sua habitação, mas Ele não está contido ou limitado a um lugar específico; Ele está entre nós, mas nós podemos encontrá-Lo pessoalmente e com Ele ratificar nossa Comunhão na Igreja; Ele vem até nós apesar de nossa insignificância, esvaziando a Si mesmo e se fazendo escravo para ser o Senhor (Fl 2,5-11); e nos preparamos para encontrá-Lo nos limpando de nossos pecados; assim como celebramos Sua chegada e permanência em nossas vidas com música alegre e procissão solene.

Como eu sempre digo, a Liturgia é o ‘habitat natural’ da Sagrada Escritura, assim como a Igreja é o ‘habitat natural’ da presença divina. Nenhum esgota ou limita o outro, mas cumpre e, por condescendência divina, ajuda a nós, tão pequenos, a poder encontrar e nos fazer um com Ele que é amor (1Jo 4,8.16).

Quem, afinal, poderá subir ao monte do Senhor e permanecer em Sua habitação (Sl 24,3)? Se ao menos conseguíssemos não esquecer o assombro por tamanho privilégio para poder contar ao nosso próximo e levá-lo até o Senhor, poderíamos celebrar ainda melhor. Rezemos para tentar compreender quão maravilhosa é cada oportunidade de louvar o Senhor.

Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,

um Papista

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