Subtítulo: Celibato sacerdotal e as cartas a Timóteo e Tito: bispos casados? “Casados só uma vez”? Celibato na Primeira Carta aos Coríntios e a visão bíblica geral.
Alguns autores, além de leigos (especialmente não-católicos), argumentam que as Cartas de São Paulo a Timóteo (1Tm) e a Tito dão margem para o fim do celibato sacerdotal. Tanto a Primeira Carta a Timóteo (1Tm 3,2) como a Carta a Tito (Tt 1,6) fazem recomendações para as escolhas de bispos, “presbíteros”, que são o cumprimento e elevação da figura do “ancião” da Antiga Aliança.
Eles deveriam ser pessoas de reputação ilibada, avessos aos vícios etc. Entre as recomendações, São Paulo diz que eles deveriam “ser casados apenas uma vez”, ou “ter apenas uma esposa”. Muitos vêem essas passagens como uma indicação de que o celibato não existia e nem era uma prescrição, já que São Paulo estaria dizendo que um bispo poderia se casar, desde que fosse monogâmico.
A questão é um erro de interpretação, senão também de tradução. A expressão grega usada pelo apóstolo vem de “eis guné anér”, que seria, literalmente “homem de uma mulher”. Isso, porém, não é o mesmo que falamos hoje em dia quando usamos uma expressão como “eu sou um homem de uma mulher só”, algo romântico indicando que não temos olhos para outras.
O que os Pais da Igreja nos ensinaram é que a situação na Igreja era necessariamente diversa da atual. Não porque antes o casamento era permitido, mas hoje, não. Mas porque, na época apostólica, muitos homens já eram casados quando foram feitos sacerdotes. Nesses casos, os homens não deveriam casar novamente após a morte de sua esposa.
São João Crisóstomo é bem claro em sua “Homilia sobre Tito” (Homilia II). Um bispo não deveria se casar após a morte de sua esposa. Em contexto, São Paulo está autorizando seus Bispos a consagrar sacerdotes que, na época, inevitavelmente seriam casados desde bem jovens.
O Doutor da Igreja diz que “embora não seja proibido pelas leis se casar novamente”. Aqui é importante dizer que ele não se refere à “Lei”, ou seja, à Lei Divina, mas às leis da terra. De fato, é um contraste feito pelo Arcebispo de Constantinopla: embora não fosse contrário às leis da terra, seria contrário à Lei de Deus se um bispo se casasse após a morte de sua esposa.
Por que ele diria isso a não ser para que o sacerdote fosse celibatário? Afinal, se muitos eram homens casados, e não é pecado se casar novamente após se tornar viúvo (era até esperado que isso acontecesse*), por que não autorizar o casamento? O fato é que, ao contrário do que muitos afirmam, o celibato era previsto desde o início da Igreja.
A Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios nos trará algumas respostas. No capítulo 9 (1Cor 9,5), São Paulo pergunta se eles, os apóstolos, não podiam ter a companhia de uma esposa, como seria o caso de São Pedro e de outros. Acontece que a expressão é ambígua. Pode ser uma “esposa” ou uma “mulher”, no caso, uma ajudante, como era bastante comum desde o início. São Paulo mesmo teve a companhia de Santa Priscila, Santa Febe e tantas outras que ajudaram o apóstolo na missão (ver Rm 16, por exemplo).
O sustento de ajudantes mulheres era uma necessidade. No capítulo 9 (1Cor 9), o apóstolo fala sobre sua autoridade apostólica e sobre o sustento dele e dos demais ministros da Boa Nova da Igreja. São Paulo abriu mão de receber apenas do trabalho missionário, trabalhando como fabricante de tendas (At 18,1-3) para se sustentar, mas ele não podia negar ajuda da Igreja para seus companheiros missionários.
Em contexto, faz muito mais sentido que São Paulo falasse, possivelmente, das duas idéias: a do sacerdote que já foi casado e precisava sustentar a família agora que saía em missão (sem que isso significasse que ele não era celibatário); ou que se tratasse apenas das companheiras de missão e ajudantes mulheres.
Lembrando que essa mesma carta (1Cor) contém o grande apelo do apóstolo pela dignidade da sexualidade apenas no casamento (1Cor 6-7) e, especificamente, sobre o chamado ao celibato sacerdotal (1Cor 7). O apóstolo é claro em tratar exatamente da situação que vimos antes, a dos homens já casados que se tornariam alguns dos primeiros sacerdotes na era apostólica.
Alguns dos casados poderiam ficar com suas esposas por um tempo. Porém, o apóstolo é claro em dizer que isso seria uma concessão, não a regra. Essas pessoas viveram sob a Antiga Aliança e não estavam preparadas (especialmente se a esposa não estivesse convertida ou perfeitamente convencida) para uma nova e mais pura situação ditada pelo Espírito Santo.
O resto, diz o apóstolo, deveria permanecer “solteiro”. Em Grego, “ágamos” (ἄγαμος, literalmente, “não casado”) como ele (1Cor 7,8). Há ainda o fato de que São Paulo faz uma distinção sobre se manter casto e se separar da esposa. O homem não pode se divorciar, como ensinou o Senhor. Ou seja, o homem separado ao Senhor deveria manter a castidade, mas não se separar da sua esposa (1Cor 7,10-11).
Enfim, é um erro acreditar que a Bíblia não prega o celibato; ou mesmo buscar apenas na Sagrada Tradição e na adaptação da Igreja à realidade do Evangelho a que seus membros foram chamados**. Porque essa foi a realidade: houve um período de adaptação; existiram muitos tropeços (que mesmo o apóstolo Paulo chamou a atenção para essa possibilidade, como vimos, mas como uma exceção, não uma regra); mas a realidade bíblica e a verdadeira vocação do sacerdote permanecem: o celibato sacerdotal foi uma missão desde o princípio. Missão dada aos homens que imitam o Senhor e “se fazem eunucos por amor ao Reino de Deus” (Mt 19,12).
Em suma: o celibato nunca foi uma imposição posterior; tampouco foi uma idéia de homens que “odiavam o sexo”. Pelo contrário! Era uma realidade divina que eleva o sexo a patamares jamais sonhados, pois o coloca em seu devido lugar, no Sacramento do Matrimônio. O celibato sacerdotal é um presente de Deus à Igreja e ao mundo. Os homens que abraçam sua vocação e missão sagrada vivem inteiramente para Deus na Igreja para que os outros possam viver inteiramente para Deus em suas famílias.
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista
* sob as leis romanas, o homem deveria buscar uma nova esposa. Ver a “Lei Juliana” de César Augusto: “Lex Iuliana de Maritandis Ordinibus”, de 18a.C. Da mesma forma, o judeu no tempo de Cristo vivia sob a mesma pressão para ter nova esposa. As leis da Igreja eram contraculturais, como ainda o são em um tempo sem pudor e limites.
** a Igreja entendeu essa dificuldade em se conseguir sacerdotes solteiros no seu início, mas tão logo viu que a situação estava mudando (jovens solteiros buscando o sacerdócio), tornou lei. Existe uma coleção de tratados chamada “Constituições Apostólicas” (compostas entre 375-380AD) que contém uma reformulação da “Didascalia Apostolorum”, uma parte baseada na “Didaché” e outros cânons. Nele já há regras para que novos padres não sejam casados e se mantenham celibatários.
Erro besta de digitação: “Ap 18,1-3” deveria ser “At 18,1-3”. Obrigado pela análise!
Muito obrigado. Fique com Deus!
Excelente. Há tempos procurava essa explicação. Eu lia a Bíblia e não entendia.
Fico feliz. Obrigado. Fique com Deus!
Excelente explicação. Parabéns!
Muito obrigado. Fico feliz que você tenha gostado. Fique com Deus!