Todo dia, na minha página do Facebook (www.facebook.com.br/umpapista) e no Instagram (instagram.com/papista.com.br) eu publico uma reflexão sobre a Liturgia. Cada reflexão sobre a Liturgia também é um exercício de moderação. As possibilidades são incontáveis, como incontáveis são as homilias sobre essas leituras pelo mundo. Cada homilia proferida através dos dons de cada um e, muitas vezes, adequada à realidade de cada comunidade. Ainda assim, a atenção às mensagens centrais das leituras, guiadas pelo cumprimento messiânico em Cristo e Seu Evangelho.
Dessa maneira, são incontáveis as possibilidades, ainda que certos temas sejam necessariamente centrais e deveriam ser a base para, ao menos, parte das homilias. Essa separação entre tantos temas, tantos detalhes, possibilidades para aprofundamento exegético e espiritual, é parte do exercício de se escrever reflexões sucintas e que ajudem a vislumbrar como as leituras se unem e tudo se cumpre em Cristo.
Por isso, assim como os filmes atuais possuem “versões estendidas”, algumas reflexões tiveram as suas versões estendidas e foram cortadas. Outras, deixaram aquele “gostinho de quero mais” com tantos temas e possibilidades pipocando na cabeça e no coração.
Na Liturgia de hoje (texto publicado inicialmente no primeiro domingo da Quaresma), um tema fundamental pode, e deve!, ser explorado: a ação satânica no mundo. A primeira leitura nos fala sobre como Satanás chegou a quase dominar por completo o coração dos homens. A criação, Deus disse, é boa (repetido diversas vezes: Gn 1,10.12.18.21.25.31). A tentação satânica, que nos manchou com o pecado, corrompia a criação a passos largos. Através de um justo, Noé, Deus recomeça a criação e nos dá uma segunda chance.
Esse é o tema da segunda leitura. Cristo, o Novo Noé, nos limpa através do Batismo, prefigurando, também, a vitória final contra Satanás e a morte. A vitória do amor que cantamos no Salmo.
O Evangelho de hoje nos revela algo que deveria nos fazer pensar melhor sobre a ação do mal em curso no mundo. Satanás chega ao cúmulo da ousadia ao tentar o Filho de Deus. A vitória sobre o Senhor seria a vitória final, é claro. Em vão, pois Deus é perfeito e perfeito é o Seu amor.
A verdade dessa situação, no entanto, não pode ser diminuída: Satanás não tem qualquer humildade, que é uma virtude, algo contrário à escuridão do seu ser. Se Satanás faz isso, reflitamos com calma: o que ele não fará contra nós?
É uma luta dura! Seria inglória e covarde se não fosse por uma coisa: Jesus se fez carne e, quando tudo parecia perdido, nos deu o caminho: “se arrependa e creia no Evangelho!” (Mc 1,15).
A palavra é “metanoéo” (μετανοέω), de onde vem a conhecida expressão “metanoia”. Uma expressão que, no tempo de Cristo (e assim usada mais de 30 vezes no NT), ela não era mera “mudança de idéia” como quem mudou de idéia sobre o que ia comer. Era uma mudança profunda, uma conversão que só vem através do arrependimento. Um novo começo, como propõe o Senhor.
O mundo acredita que o cristianismo fala em se arrepender para “impor culpa”. Isso é parte do plano de Satanás. Metanoia é a conversão cristã. É a verdadeira libertação que não é se sentir culpado, mas perceber o erro para dele ser limpo pelo Senhor. É se entregar ao amor de Deus para que o “playground de Satanás” seja transformado completamente em um Jardim do Éden, uma prefiguração da Jerusalém Celestial, cercada por muros intransponíveis ao mal (Ap 21,17-19).
O arrependimento é o caminho para a conversão, que é o caminho para a verdadeira libertação. Não nos enganemos. A luta é duríssima. Satanás não se furtará de usar qualquer coisa, qualquer fraqueza, qualquer ato mais vil, qualquer acusação. Seria uma luta impossível, se não fosse por um “detalhe”: Satanás já foi derrotado! Tudo o que ele pode fazer é usar aquilo que nós entreguemos a ele.
A solução, meus irmãos, é entregar tudo a Deus. Esse é o homem forte que os Evangelhos nos expõe como alusões internas, ecos que deveriam nos fazer ouvir: São João Batista diz que “um mais forte que eu” (Mc 1,7). Pouco depois, quando o Senhor fala da diferença entre Ele e Satanás, ele diz: “ninguém pode entrar na casa de um homem forte”. A palavra é “ischuros” (ἰσχυρός), “forte”, “poderoso”. Jesus é o homem forte profetizado e Satanás não pode entrar em uma casa, uma alusão à habitação do Espírito Santo em nós, se permitirmos que Ele more em nossos corações.
De fato, nem São João Batista dizia isso em um vácuo. Essa libertação foi profetizada por Isaías, que disse que “guerreiros” (homens fortes) poderiam dominar os filhos de Deus, mas Ele mesmo, um homem mais forte, viria derrotar os inimigos e nos libertar (Is 49,24-25). Não há força que não encontre em Deus alguém ainda mais forte. Não há escuridão capaz de penetrar a luz que não se apaga. Não há mal que ocupe um coração arrependido e convertido.
A ação de Satanás no mundo é real. Não nos desesperemos! “No mundo tereis aflições. Tende coragem! Eu venci o mundo!” (Jo 16,33)
O primeiro domingo da Quaresma nos conclama à batalha espiritual. Uma batalha que não é vencida com as armas do inimigo, as armas do mundo, como a politicagem pseudo-religiosa ou o conflito. Essa batalha será vencida pela “metanoia” que nos abre ao amor de Cristo. Essa é a hora de nos arrepender e crer no Evangelho. Apenas assim o mundo conhecerá a caridade e abraçará a “metanoia” que leva ao Senhor.
Caminhemos com fé pelo deserto, pois o Senhor está conosco e Ele não falhará!
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista
Muito inspirado. Muito obrigado. Continue sempre!
Eu que agradeço. Fique com Deus!