Diz a lenda que Benjamin Disraeli, Primeiro-Ministro britânico no século XIX, teria afirmado que existem três tipos de mentiras: “mentiras, malditas mentiras, e estatísticas”. Se não se tem certeza de seu autor, da verdade contida na ironia ninguém duvida. Também deveria estar acima de qualquer suspeita que:
– boatos podem ganhar força de verdade.
– estudar é uma tarefa árdua e a maioria prefere acreditar em qualquer coisa a ter que estudar.
– se for um boato contra a Igreja Católica, costuma ter força de verdade em sua recepção.
– ou seja, as pessoas recebem alegremente qualquer boato contra a Igreja Católica e, como estudar se tornou desnecessário antes de abrir a boca, qualquer boato é verdade a ser repetida. Afinal, “todo mundo sabe” vale mais do que qualquer fato.
Uma das facetas mais importantes – e divertidas – da vida de um Católico é a apologética. Apologética é a arte do discurso em defesa de algo ou alguém. Apesar do nome, para a teologia, ter um sentido mais profundo, os cristãos popularizaram o nome ao chamar seus defensores de apologistas. Pois bem, apologética é se preparar para responder por sua fé, o que é um dever de todo cristão (1Pd 3,15). Também pode ser divertido! Estudar e se preparar para refutar mentiras históricas ou doutrinais é das coisas mais prazerosas na vida de qualquer pessoa que perde tanto tempo estudando. Além de ajudar a tantos em algo que costuma ter um resultado rápido se bem feito.
Entramos em outros aspecto importante. É preciso estudar a fundo por mais de um motivo. O primeiro é o já falado dever de qualquer um que defende seu ponto de vista e tem aquilo como importante para a sua vida. Em segundo lugar, por honestidade intelectual. E esse ponto foi praticamente jogado para escanteio pela modernidade. Se, antigamente, as pessoas tinham alguma barreira mental, e moral, contra falar sobre qualquer assunto que elas desconhecessem, essa barreira caiu faz tempo. Afirmar, por vezes de forma emocionada, algo que apenas se ouviu falar, mas nunca se teve o trabalho de pesquisar, é algo tão natural para o homem moderno quanto xingar no trânsito. E o pior! Se o homem moderno, por acaso, se depara com a verdade, há o problema dele já ter sido doutrinado para fazer uma “escolha”. Ele se vê livre para escolher o boato mentiroso em detrimento da verdade que ele chegou a ver. Ora, mau caratismo sempre existiu, você vai me dizer. Mas não é apenas disso que estou falando. É sobre o que parece ser a incapacidade de alcançar a mínima honestidade intelectual. E o que é honestidade intelectual? É o mínimo que se espera de qualquer um que tenha contato com a verdade, com os fatos: repeti-los; segui-los. Desonestidade intelectual, entre outras coisas, é você saber que algo é verdade e repetir a mentira. Por preferência ou incapacidade (doutrinação).
Nos mais de 2000 anos da Igreja, vários boatos ganharam status de verdade absoluta. Alguns são tão descabidos que impressionam por sua sujeira. Outros são confusões que, infelizmente, também se explicam melhor adicionando fortes doses de malícia ao motivo de sua perpetuação. Outros são enganos ou malentendidos e que, mesmo esses, podem ser usados contra a Igreja. Nesta postagem, e espero fazer isso outras vezes, eu pretendo refutar algumas das mentiras mais famosas. Como farei isso? Com fatos, que podem ser checados com… bem, aí é o problema. Você precisa fazer aquele mínimo esforço para checá-los, se quiser. E precisa ter a honestidade intelectual para, caso eles se confirmem, ter a coragem de repetir a verdade, mesmo que seus amigos, colegas de bar, possíveis companheiros de anti-catolicismo riam da sua cara, ou achem que você, apenas por ser honesto com os fatos, “se vendeu à Igreja de Roma, causa de atraso e opressão no mundo”.
– O julgamento de Galileu.
– a acusação: Galileu defendeu o heliocentrismo, mas a retrógrada Igreja Católica o censurou e depois o prendeu, já que heliocentrismo contradizia o geocentrismo, que esses bárbaros acreditavam ser literal na Bíblia. Seu trabalho científico foi combatido e proibido.
Os fatos: Se vamos começar com um caso, que seja logo um que hoje ocuparia todas as revistas de fofoca durante alguns anos. Um caso bem espinhoso. Antes de qualquer coisa, deixe-me admitir que existem erros da Igreja, porém, eles nada tem a ver com o caso em si, e muito menos são contra as teorias científicas. Volto a eles no final da exposição.
Um filósofo certa vez disse que o “Caso Galileu” era a única coisa que usavam sempre contra ele para “provar” que a Igreja era contra a ciência etc. E que ele divagava sobre o que aconteceria se esse caso deixasse de ser motivo de controvérsia. Será que pelo menos algumas pessoas deixariam de acusar a Igreja de ser inimiga da ciência? Particularmente, eu acho que sim. Mas só algumas. Outras, na impossibilidade de encontrar qualquer outro argumento nesse sentido, diriam apenas que “todo mundo sabe que a Igreja é inimiga da ciência” e sairiam felizes como quem provou definitivamente um ponto.
Galileu Galilei foi um polímata típico do Renascimento. Era versado em matemática, física, engenharia, astronomia e certamente mais algumas coisas. Creio eu que ele ficou mais conhecido pelas suas descobertas na física e na astronomia, como os satélites de Júpiter. E, claro, sua defesa do heliocentrismo. De acordo com a lenda, Galileu teria tido problemas com a Igreja pela sua defesa do heliocentrismo. Em algumas versões, Galileu teria inventado ou provado tal teoria, e aí se meteu em problemas.
Em primeiro lugar, é fundamental se entender que Galileu não criou a teoria do heliocentrismo. A teoria, pelo que se tem registro, já existia pelo menos desde o ano 3 a.C., e era defendido por Aristarco, um astrônomo grego. Mas, pela falta de provas, a teoria era rejeitada em favor do que se chama “modelo aristotélico” e depois “aristotélico-ptolomaico”, que era um modelo geocêntrico.
Em segundo lugar, Nicolau Copérnico, outro cientista e polímata, já havia defendido o heliocentrismo como uma teoria plausível. Aqui temos que notar algumas coisas. Copérnico era católico, e ordenado (ordens menores, não sacerdócio, pelo pouco que se sabe). Suas descobertas e defesa do heliocentrismo jamais foram motivos de problemas para ele. Pelo contrário! Copérnico foi várias vezes convidado pelo Papa e o Colégio de Cardeais para palestrar sobre suas descobertas e defesa do heliocentrismo. Aliás, Copérnico era atacado apenas por outros cientistas, que viam (com certa razão para a época) suas teorias como absurdas pela ausência de provas. Algo recorrente na astronomia, já diria Aristarco. Quem defendeu Copérnico? O papa e a cúpula da Igreja, a tal “inimiga da ciência”. Sua obra principal, “de revolutionibus orbium coelestium” (Sobre as Revoluções dos Corpos Celestes), foi patrocinada pela Igreja e continha uma dedicatória ao Papa, seu patrono e maior entusiasta. Existem registros intactos do entusiasmo da Igreja e, além disso, do incentivo para que Copérnico levasse suas teorias para as universidades (essa outra terrível invenção católica, “inimiga do estudo”. Vai entender…) e discutisse com pesquisadores seus achados, como uma carta de um cardeal (incluída depois na publicação do livro de Copérnico), reproduzida em inglês:
“Some years ago word reached me concerning your proficiency, of which everybody constantly spoke. At that time I began to have a very high regard for you… For I had learned that you had not merely mastered the discoveries of the ancient astronomers uncommonly well but had also formulated a new cosmology. In it you maintain that the earth moves; that the sun occupies the lowest, and thus the central, place in the universe… Therefore with the utmost earnestness I entreat you, most learned sir, unless I inconvenience you, to communicate this discovery of yours to scholars, and at the earliest possible moment to send me your writings on the sphere of the universe together with the tables and whatever else you have that is relevant to this subject …” – Carta do Cardeal Nikolaus von Schönberg O.P.
Por que, então, Galileu teria problemas por defender a mesma tese? Não faz o menor sentido! Seria a mudança de papa e cúria? Não! Galileu também era protegido do papa de sua época e palestrava sempre para a cúria. Inclusive sobre heliocentrismo! O problema de Galileu, para a surpresa de muitos, era científico, não teológico! Ao contrário do que se pensa, a Igreja só realmente se metia em problemas teológicos. É preciso aqui entender, então, do que se trata o problema de Galileu. E se trata de algo chamado “Paralaxe Estelar”. O que parece um palavrão para leigos como eu, é apenas a maneira de se medir a distância de estrelas usando a órbita da Terra como base. Ou seja, a “mudança (ou alternância) de paralaxe é visto, por exemplo, se você (P no esquema) estiver andando em círculos, como num carrossel, e fixar seu olhar em uma pessoa (Y). Em dado momento da sua voltinha de carrossel, ao olhar para tal pessoa, atrás dela está, por exemplo, a barraca de cachorro-quente (C). Em outro momento do giro (P2), ao olhar para essa mesma pessoa, atrás dela está outra coisa (B). A pessoa não saiu do lugar, mas parece mudar porque, conforme você se movimenta, o cenário atrás dela muda.
B C
Y
P <—–> P2
Desde Aristarco, a mudança de paralaxe foi uma das razões científicas (!) para refutar o heliocentrismo. Enfatizo aqui: isso é ciência, não teologia. O problema é que a paralaxe estelar, por causa das distâncias, é muito difícil de ser vista, ou medida. Quer dizer, por causa dos milhões de quilômetros entre nós e as estrelas, elas parecem não sair do lugar enquanto a Terra se move. Isso era um grande argumento científico contra o heliocentrismo. De fato, ele só caiu no século XIX, 200 anos depois de Galileu! Ou seja, Galileu (e ninguém até 1838) não conseguia provar o heliocentrismo cientificamente. Até ali, era apenas uma teoria elegante. Porém, era refutada pela própria ciência, que usava a paralaxe estelar para provar, ao contrário, que a Terra não se movia! Isso tudo é fácil de constatar pela própria história da ciência.
O que aconteceu, então, com Galileu? A questão aí muda completamente de arena. Galileu, por todas as evidências, era uma pessoa extremamente difícil. Alguém cujo ego não aguentava certas decepções. Galileu queria que o papa, seu entusiasta, forçasse sua teoria, mesmo contra todos os cientistas. E mais! Em uma “egotrip” ou arroubo de loucura, Galileu afirmou que, como consequências das suas teorias, toda teologia deveria ser revista e a sua visão da teologia e interpretação bíblica deveria ser tida como a correta e oficial.
Galileu não foi tímido ao dizer e reforçar sua idéia de ser a base para a teologia sempre que podia. Ele passou a palestrar sobre o assunto e a acusar a Igreja de distorcer interpretações bíblicas e teológicas, mas que ele e suas teorias deveriam ser a base para toda interpretação. Chegou a lançar um livro em que o personagem principal era um idiota. O idiota simbolizava o papa.
Até aí, e isso é relevante, embora ele já não tivesse mais o mesmo respeito por parte da cúria, nada aconteceu com Galileu. Nada! Mesmo com teorias teológicas pra lá de loucas e perigosas; mesmo com a ofensa ao Papa e à Igreja, nada foi feito contra ele.
O problema começa por pressão dos Protestantes! Explico antes que os protestantes vivem pelo princípio de “sola scriptura”, ou seja, apenas a Bíblia vale como fonte de estudo da vontade de Deus. E muitos são literalistas. Na época, Lutero e muitos outros odiavam as idéias que levaram até Galileu, inclusive a teoria do heliocentrismo, que ele viam como contrárias à Escritura. O argumento não difere muito dos fundamentalistas de hoje, já que eles afirmavam que a teoria ia de encontro às passagens bíblicas que, na opinião deles, provavam o geocentrismo. Opinião essa, aliás, não compartilhada pela Igreja, que não é literalista e não tinha problema com o Sol estar no centro da galáxia (ou qualquer teoria nesse sentido). Os protestantes, então, começaram uma campanha contra a Igreja (mais uma!), acusando-a de não dar valor à Bíblia e não se importar com o que nela era dito sobre a questão (ou o que eles acreditavam ser dito). Além disso, por causa das palestras de Galileu, não só em terras da Igreja, mas em universidades, igrejas e até mesmo para a cúria romana, acusavam a mesma de pregar erros e heresias. Afinal, Galileu era livre para falar essas coisas e, como era católico e falava para católicos, era difícil fazer a distinção do que era doutrina oficial e o que era apenas a teoria de alguém.
Galileu, finalmente, é convocado pelo papa a se explicar. Mas, por favor, repare! Galileu não é obrigado a explicar ou mudar suas teorias científicas. Muito menos sua defesa ao heliocentrismo. Galileu é chamado para discutir teologia e interpretação bíblica! Depois que nada move Galileu a deixar de falar o que não devia, ele é censurado. Ainda depois de nova conversa, Galileu não muda sua ladainha e é, então, preso. Por ser amigo do papa, Galileu vive o resto de sua vida na residência papal, não numa masmorra escura como é dito em algumas lendas. Muito menos falando, como um mártir da ciência, “i pur si muove”, enquanto a ‘malvada Igreja’ proíbe sua ciência de continuar ao trancá-lo numa masmorra.
Volto ao que eu disse antes. Existem erros da Igreja, pelos quais São João Paulo II pediu desculpas. Mas é porque, de forma nenhuma, a Igreja deveria prender alguém, mesmo que em prisão domiciliar em um verdadeiro palácio. Um problema, na época, da proximidade com os estados e a necessidade de manter boas relações com o poder estatal que, por vezes, causava interferência em questões teológicas.
Galileu, ou qualquer pessoa, deveria ser livre para falar a bobagem teológica que quisesse (desde que fora de igrejas e universidades católicas e com o devido alerta da Igreja), mesmo com toda pressão dos protestantes. Mas de forma alguma a história de Galileu é o conto de uma Igreja obscurantista e inimiga da ciência que o condenou por sua teoria heliocêntrica. Isso não faz o menor sentido! O heliocentrismo é uma teoria só corroborada no século XIX e que foi amplamente, desde muito antes de Galileu, defendida, difundida, patrocinada pela Igreja Católica. Quem não aceitou o heliocentrismo, na época, foi a ciência! Como eu mostrei, com razão para o que se podia provar na época. Era uma teoria impossível de ser provada cientificamente. Mas, como filosofia, foi incentivada e discutida livremente pela Igreja.
Existiram e existem, sim, obscurantistas na Igreja. Mas não só na Igreja! Acima de tudo, eles não são “a Igreja”. Quaisquer testemunhos contra o heliocentrismo, Galileu, Copérnico, ou qualquer outra coisa, não representou, e não representa, a Igreja. Ela tem um Magistério que, mesmo errando em assuntos práticos ou não ligados à doutrina e fé, jamais foi inimiga da ciência. As provas, com aquele pouco de estudo que desestimula tantos, estão aí. De minha parte, tento aqui oferecer um pouco do que o estudo me proporcionou e o que um mínimo de honestidade intelectual me fez parar de aceitar como um “fato constrangedor”. Algo que seria muito mais fácil, e lucrativo, para mim manter e defender, já que os defensores dessas mentiras ganham rios de dinheiro na divulgação de acusações contra a Igreja, sempre um filão lucrativo em diferentes mídias. A honestidade tem um preço que eu estou disposto a pagar. Convido você a também estar.
Em Cristo, entregue à proteção da Virgem Maria,
um Papista
P.S. – recomendo fortemente a leitura dos livros do professor de Harvard (quem diria?), Thomas Woods. Além de Rodney Stark, Régine Pernoud e outros. Lembre-se, isso aqui não é um espaço acadêmico. Não vou fazer seu trabalho por você. Não precisa ir longe. Atualmente, qualquer historiador que valha seu título não repete mais que a Igreja é inimiga da ciência.